SPACE WRITING
(on a photo by Man Ray)
to write in space: the
arc of the arm more
adroit than the startling
of ideas in flight (hooves
clopping)
the trace
that hands on heel (mad-
fluttering of wings) crisscross:
circumvolutions of
improvisations in the frame
after the lapse remains
clear (i
tinerary of medusas)
writing that lasts for the
shudder the “armed eye” the
shutter’s
capture
SPACE-WRITING
(sobre foto de Man Ray)
para escrever no espaço: o
arco do braço mais
ágil que o sobressalto
das idéias em fuga (tinem
os cascos)
o traço
que as mãos no encalço (desa
tino de asas) precursam:
circunvoluções do
improviso na moldura
findo o lapso resta
em claro (i
tinerário de medusas)
a escrita que perdura para o
espasmo o “olho armado” o
rapto
do obturador
CHAIR IN MYKONOS
I
in it neither haloes nor lies
the idea, which from it rises
like the firewood’s flame
a Greek, in fact, imprisoned
it, like an insect
on the suede-concept:
in language, third object,
less chair, if I write it
nor should I (if I want it)
go seeking fixtures
in suburbs of syllables
I need (so as to have it)
to train myself in negative,
in the wall’s adjacent
whiteness, draw it
as a figure: literal
(Edenic-fashion) nude
between chalk sheets
II
Icarus without feathers
bride donning rapidly drying veils
quadruped rigged for solitude
CADEIRA EM MYKONOS
I
nela não se auréola nem é falsa
a idéia, que dela se alça
como o fogo da lenha
um grego, aliás, quem a
aprisionou, como a um inseto
sobre a camurça-conceito:
na língua, terceiro objeto,
menos cadeira, se a escrevo
tampouco devo (se a quero)
nos arrabaldes das sílabas
buscar madeira de mobília
preciso (para que a tenha)
adestrar-me ao negativo,
ao branco contíguo
da parede, hauri-la
como figura: literal
(modo-de-éden) nua
entre lençóis de cal
II
ícaro sem penas
noiva muda em cendais de secagem rápida
quadrúpede engendrado para solidões
IN SARAJEVO
In the first photo she’s laughing,
wild,
and mingling with friends.
One year later,
she’s posing hands in lap,
back straight
legs crossed behind.
Inside the uniform you sense
a woman, boldly striding,
bounding through major city streets
– perhaps abroad.
When I saw her there, distracted,
on the school bus stairs,
nothing prepared me for her legs wide open,
the flower between them torn
repeating, between the thighs,
the bullet hole in her chest,
its muting echo.
EM SARAJEVO
Na primeira foto ela ri,
selvagem,
e se mistura às amigas.
Um ano mais tarde,
posa com as mãos no colo,
coluna reta,
os pés cruzados pra trás.
Por dentro do uniforme pressente
uma mulher, a passos largos,
galgando as ruas de grandes cidades
– quem sabe no exterior.
Quando a vi, ali, distraída,
na escada do ônibus escolar,
nada me preparou para as suas pernas abertas,
no meio a flor dilacerada
repetindo, entre as coxas,
o buraco da bala no peito:
um dois pontos insólito.
PIRATE SOUL
So often I slumber under a strange brightness
in which the almond tree dozes, luminous, rare,
beneath the dark background of half-tarnished night
(cylindrical, robust, bizarre)
its green figure asquat on the surface
of a pool that does not have a single thought.
I am envious of those canceled out waters,
so placid, identical to their actual outline
while I myself don’t even know where I begin,
when I’m done,
and am besieged by everything that touches me.
Now the world is devouring me, now piercing me and
everything that nears brings me exile.
I wept, when I saw on the floor of the cell
the button ripped off in the quarrel,
the smashed glasses of the Jewish writer.
I have a heart that breaks
at the flicker of Clarice’s words.
In an impoverished village in Bahia,
a beautiful, beautiful black man
dances to the sound of lightning
and I only fall in love with lost causes,
with men with a touch of hopelessness.
More than once, motionless, circumspect,
I saw the world’s machine open
beneath the sloping lights of Ipanema
on Sierra da Bocaina, in the middle of the woods,
on the high stairs at the top of the hill
where the kidnapped girl had ascended
beneath her father’s tears.
More than once my heart fractured like glass
before the printed page,
and whenever the right word comes to take its honey
from love’s despairing cup.
I believe, in the very nuclei of my cells,
that a sincere friendship “is the only way out of
loneliness
that a spirit has in bodily form.”
Yes, I believe in the body.
For all this is that I lose myself
in things that, in others,
are mere crumbs.
And so I sail, sober, eyes dry,
through dawn after dawn.
And so I go walking over hot coals
even onto leaves of grass,
on a track more uncertain and more alone.
But if you ask me what a poet is
(I’d give everything that was mine for nothing),
I’ll tell you.
The poet is a deformity.
ALMA CORSÁRIA
De tanto sono me baixa uma lucidez estranha
em que a amendoeira pousa, luminosa, rara,
sob o fundo escuro da noite meio baça
(cilíndrica, roliça, bizarra)
seu vulto verde acocorado sobre a água
da piscina que não tem um pensamento.
Eu sinto inveja dessas águas anuladas
tão plácidas, idênticas ao próprio contorno
enquanto eu mesma nem sei onde começo,
quando acabo
e sofro o assédio de tudo o que me toca.
O mundo ora me engole, ora me vara
e tudo o que aproxima me desterra.
Chorei, ao ver no chão da cela,
o botão arrancado na contenda,
os óculos pisados do escritor judeu.
Tenho um coração que estala
com o peteleco das palavras de Clarice.
Numa vila miserável na Bahia,
um negro lindo, lindo,
dança ao som do corisco
e só me apaixono por casos perdidos,
homens com um quê de irremediável.
Mais de uma vez, imóvel, circunspecta,
vi abrir-se a máquina do mundo
sob a luz inclinada de Ipanema,
na Serra da Bocaina, no meio da floresta,
no alto da escada no topo do morro
por onde a moça seqüestrada vinha subindo
debaixo das lágrimas do pai.
Mais de uma vez meu coração trincou feito vidro
diante da página impressa,
e sempre que a palavra justa vem tirar seu mel
de dentro da copa do desespero de amor.
Acredito, do fundo das minhas células,
que uma amizade sincera “é o único modo
de sair da solidão
que um espírito tem no corpo”.
Sim, eu acredito no corpo.
Por tudo isso é que eu me perco
em coisas que, nos outros,
são migalhas.
Por isso navego, sóbria, de olho seco,
as madrugadas.
Por isso ando pisando em brasas
até sobre as folhas de relva,
na trilha mais incerta e mais sozinha.
Mas se me perguntarem o que é um poeta
(Eu daria tudo o que era meu por nada),
eu digo.
O poeta é uma deformidade.
STATEMENT OF PERMISSION: I have received permission from Claudia Roquette-Pinto to translate and, if they are accepted, publish these poems.