Evening Will Come: A Monthly Journal of Poetics (Translation Issue—Issue 51, March 2015)

Claudia Roquette-Pinto
Four Poems
John Keene, translation

SPACE WRITING

(on a photo by Man Ray)

to write in space: the

arc of the arm more

adroit than the startling

of ideas in flight (hooves

clopping)

the trace

that hands on heel (mad-

fluttering of wings) crisscross:

circumvolutions of

improvisations in the frame

after the lapse remains

clear (i

tinerary of medusas)

writing that lasts for the

shudder    the “armed eye” the

shutter’s

capture

SPACE-WRITING

(sobre foto de Man Ray)

para escrever no espaço: o

arco do braço mais

ágil que o sobressalto

das idéias em fuga (tinem

os cascos)

o traço

que as mãos no encalço (desa

tino de asas) precursam:

circunvoluções do

improviso na moldura

findo o lapso resta

em claro (i

tinerário de medusas)

a escrita que perdura para o

espasmo    o “olho armado” o

rapto

do obturador

CHAIR IN MYKONOS

I

in it neither haloes nor lies

the idea, which from it rises

like the firewood’s flame

a Greek, in fact, imprisoned

it, like an insect

on the suede-concept:

in language, third object,

less chair, if I write it

nor should I (if I want it)

go seeking fixtures

in suburbs of syllables

I need (so as to have it)

to train myself in negative,

in the wall’s adjacent

whiteness, draw it

as a figure: literal

(Edenic-fashion) nude

between chalk sheets

II

Icarus without feathers

bride donning rapidly drying veils

quadruped rigged for solitude

CADEIRA EM MYKONOS

I

nela não se auréola nem é falsa

a idéia, que dela se alça

como o fogo da lenha

um grego, aliás, quem a

aprisionou, como a um inseto

sobre a camurça-conceito:

na língua, terceiro objeto,

menos cadeira, se a escrevo

tampouco devo (se a quero)

nos arrabaldes das sílabas

buscar madeira de mobília

preciso (para que a tenha)

adestrar-me ao negativo,

ao branco contíguo

da parede, hauri-la

como figura: literal

(modo-de-éden) nua

entre lençóis de cal

II

ícaro sem penas

noiva muda em cendais de secagem rápida

quadrúpede engendrado para solidões

IN SARAJEVO

In the first photo she’s laughing,

wild,

and mingling with friends.

One year later,

she’s posing hands in lap,

back straight

legs crossed behind.

Inside the uniform you sense

a woman, boldly striding,

bounding through major city streets

– perhaps abroad.

When I saw her there, distracted,

on the school bus stairs,

nothing prepared me for her legs wide open,

the flower between them torn

repeating, between the thighs,

the bullet hole in her chest,

its muting echo.

EM SARAJEVO

Na primeira foto ela ri,

selvagem,

e se mistura às amigas.

Um ano mais tarde,

posa com as mãos no colo,

coluna reta,

os pés cruzados pra trás.

Por dentro do uniforme pressente

uma mulher, a passos largos,

galgando as ruas de grandes cidades

– quem sabe no exterior.

Quando a vi, ali, distraída,

na escada do ônibus escolar,

nada me preparou para as suas pernas abertas,

no meio a flor dilacerada

repetindo, entre as coxas,

o buraco da bala no peito:

um dois pontos insólito.

PIRATE SOUL

So often I slumber under a strange brightness

in which the almond tree dozes, luminous, rare,

beneath the dark background of half-tarnished night

(cylindrical, robust, bizarre)

its green figure asquat on the surface

of a pool that does not have a single thought.

I am envious of those canceled out waters,

so placid, identical to their actual outline

while I myself don’t even know where I begin,

when I’m done,

and am besieged by everything that touches me.

Now the world is devouring me, now piercing me and

everything that nears brings me exile.

I wept, when I saw on the floor of the cell

the button ripped off in the quarrel,

the smashed glasses of the Jewish writer.

I have a heart that breaks

at the flicker of Clarice’s words.

In an impoverished village in Bahia,

a beautiful, beautiful black man

dances to the sound of lightning

and I only fall in love with lost causes,

with men with a touch of hopelessness.

More than once, motionless, circumspect,

I saw the world’s machine open

beneath the sloping lights of Ipanema

on Sierra da Bocaina, in the middle of the woods,

on the high stairs at the top of the hill

where the kidnapped girl had ascended

beneath her father’s tears.

More than once my heart fractured like glass

before the printed page,

and whenever the right word comes to take its honey

from love’s despairing cup.

I believe, in the very nuclei of my cells,

that a sincere friendship “is the only way out of

loneliness

that a spirit has in bodily form.”

Yes, I believe in the body.

For all this is that I lose myself

in things that, in others,

are mere crumbs.

And so I sail, sober, eyes dry,

through dawn after dawn.

And so I go walking over hot coals

even onto leaves of grass,

on a track more uncertain and more alone.

But if you ask me what a poet is

  (I’d give everything that was mine for nothing),

I’ll tell you.

The poet is a deformity.

ALMA CORSÁRIA

De tanto sono me baixa uma lucidez estranha

em que a amendoeira pousa, luminosa, rara,

sob o fundo escuro da noite meio baça

(cilíndrica, roliça, bizarra)

seu vulto verde acocorado sobre a água

da piscina que não tem um pensamento.

Eu sinto inveja dessas águas anuladas

tão plácidas, idênticas ao próprio contorno

enquanto eu mesma nem sei onde começo,

quando acabo

e sofro o assédio de tudo o que me toca.

O mundo ora me engole, ora me vara

e tudo o que aproxima me desterra.

Chorei, ao ver no chão da cela,

o botão arrancado na contenda,

os óculos pisados do escritor judeu.

Tenho um coração que estala

com o peteleco das palavras de Clarice.

Numa vila miserável na Bahia,

um negro lindo, lindo,

dança ao som do corisco

e só me apaixono por casos perdidos,

homens com um quê de irremediável.

Mais de uma vez, imóvel, circunspecta,

vi abrir-se a máquina do mundo

sob a luz inclinada de Ipanema,

na Serra da Bocaina, no meio da floresta,

no alto da escada no topo do morro

por onde a moça seqüestrada vinha subindo

debaixo das lágrimas do pai.

Mais de uma vez meu coração trincou feito vidro

diante da página impressa,

e sempre que a palavra justa vem tirar seu mel

de dentro da copa do desespero de amor.

Acredito, do fundo das minhas células,

que uma amizade sincera “é o único modo

de sair da solidão

que um espírito tem no corpo”.

Sim, eu acredito no corpo.

Por tudo isso é que eu me perco

em coisas que, nos outros,

são migalhas.

Por isso navego, sóbria, de olho seco,

as madrugadas.

Por isso ando pisando em brasas

até sobre as folhas de relva,

na trilha mais incerta e mais sozinha.

Mas se me perguntarem o que é um poeta


  (Eu daria tudo o que era meu por nada),

eu digo.

O poeta é uma deformidade.

STATEMENT OF PERMISSION: I have received permission from Claudia Roquette-Pinto to translate and, if they are accepted, publish these poems.